7 de fev. de 2008

O Dia Em Que A Dona Deixou O Escravo

Assustava-se com a perspectiva de uma nova vida, de uma mudança tão brusca nas coisas pequenas e calmas do seu entediante dia-a-dia. Era um tédio agradável, doce e suave como o gosto de certas frutas, bem ela sabia. Seria quase que crucificante abrir mão daquelas horas ouvindo ruídos rosas no seu quarto como que de bonecas ligeiramente pálidas e anestesiadas por livros de poesia. Queria ser poeta, não de um mundo novo e surpreendente, mas de um mundo velho e mofado, mundo de avós e doces caseiros, de cheiro de chuva misturada com jasmins. Agora restavam as malas, as caixas de odor ácido e cru, os lenços ao chão, as mãos no ar. Estaria sozinha em frações de tempo que passariam tão ligeiras não permitindo nem uma lágrima salgada escorrendo pelo rosto. O mesmo repleto de saudades, de lembranças, de uns poucos desejos. Ela estendia o corpo, abria os braços e num abraço envolvia aquele já distante mundo perdido. Era um adeus, era a parte amarga da decisão. "E no final, assim calado, eu sei que vou ser coroado rei de mim." Los Hermanos;

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