18 de mai. de 2009

Ô mãe.

Ô mãe, eu já tive uma cosia bonita aqui dentro, sabia? Mas era uma coisa linda, mãe, toda feita de cores borradas e um pouco do doce corado das balas de goma. E eu visitava o interior dessa coisa, mãe, eu penetrava no seu íntimo, eu conheci alguns dos seus mistérios. Palavras perdidas, papéis amassados, roupas jogadas, sons pesados. Disso tudo eu guardei um pouco pra mim, eu transformei naquilo que sou agora, hoje, sempre, nesse instante. Só que essa coisa é arredia e confusa demais. Ela não sabe o que quer e se sabe esconde tão bem que chega a ocultar de si mesma. Eu gostava quando podia tocá-la. Era um momento tão pequeno e mesquinho que só eu sentia. Mas era de um pequeno instigante. sabe?, de uma mesquinhez que me enchia os olhos mal desenhados de lágrimas. Lágrimas essas mais salgadas que o comum. Só que um dia, mãe, um dia sem muitas explicações, um pedaço dessa coisa sumiu. Eu fui procurar e não estava mais ali, não estava em lugar algum -nem na sesta de papéis de presente, nem na caixa das cartas, nem nos livros emprestados do Bukowski. Daí que fui notar que o pedaço que me deixara sem motivos aparentes tinha levado consigo fiapos meus -como uma foto 3X4 ou umas melodias mal feitas- e, pior, não tinha se mudado para tão longe. Era um pedaço malando. E eu ficava dizendo: "volta, pedacinho, volta. Vem completar essa coisa bonita aqui dentro." Mas ele balançava a cabeça, gargalhava e, ironicamente, me fazia gargalhar junto. Sabe, mãe, eu ainda espero a coisa voltar a ficar toda inteira. É que sou esperançosa. Acho que demais. Mas, mãe, tu sabia que eu já tive uma coisa bonita aqui dentro?

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