14 de jul. de 2013

quarto

Era uma noite amena de inverno. Não chovia, não fazia frio nem calor e a umidade escorria pelas paredes velhas do apartamento alugado. A sala, vazia de almas humanas, absorvia a energia singular dos dois gatos, que - habituados à escuridão- corriam por entre os móveis jovens, mas gastos. A cozinha tinha as portas cerradas e guardava cheiros e sabores diversos. O bolo de laranja sob a mesa, as maçãs recém compradas no mercado, o quindim dentro da geladeira. No banheiro: restos humanos. Pêlos, unhas, pele. E o cheiro do sabonete vermelho. Do quarto vinha a luz do abajur ligado. A única iluminação da casa. Livros, blocos de anotações, os instrumentos musicais, as gavetas de meia. Cada coisa em seu lugar, bem como devia ser. Sob a cama, uma pessoa escrevia. Não tinha assunto, não tinha motivo, não tinha propósito e muito menos tinha dom. Mas escrever era expurgar os demônios, geralmente pensava. Era falar sobre nada pra pensar sobre tudo e, assim, conter o coração que frequentemente teimava em acelerar. O mundo é um lugar perigoso e viver machuca. Talvez o silêncio salve.

Apaguem o abajur.

"No alarms and no surprises
Silent silence"

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